SUMÁRIO

4.1. Arte

As relações socioculturais, assim como o momento histórico, nos permitem pensar a arte de diferentes formas, uma vez que ela é uma necessidade humana de perceber, compreender, representar e transformar a realidade. Pela arte o homem expressa a experiência daquilo que seu tempo histórico e suas condições sociais e materiais permitem. Nesta experiência, o ser humano torna-se consciente de sua existência como ser social. Segundo M. Inês Hamann (2002), as criações artísticas retratam a história sociocultural da humanidade:

 

A ARTE – tal como a filosofia, a ciência e a história – é uma resultante exclusiva da atividade humana, fruto da percepção – expressão sensível – espiritual de seres humanos que vivem e produzem em um universo histórico, social e cultural datado e peculiar. Com maior ou menor grau de consciência, o artista posiciona-se frente a ele, enquanto cidadão-trabalhador-criador. A obra de arte, então, manifesta posições não apenas estéticas, mas éticas e políticas. Assim, no conteúdo e na origem, a ARTE, como atitude do espírito e das mãos, é histórica e social. (HAMANN, 2002).

 

A arte é conhecimento construído pelo homem através dos tempos, é uma forma de significação da realidade e expressão de subjetividades, de identidades sociais e culturais, as quais foram construídas historicamente.  A artista e pesquisadora Fayga Ostrower (1986) alude acerca da aproximação entre diferentes culturas pelas quais a arte transita.

 

A arte é um conhecimento que permite a aproximação entre indivíduos, mesmo os de culturas distintas, pois favorece a percepção de semelhanças e diferenças entre as culturas, expressas nos produtos artísticos e concepções estéticas [...]. Ostrower (1986, p. 102).

 

Portanto, conhecer e explorar as diversas linguagens artísticas, visuais, corporais, sonoras e linguísticas, possibilita a reflexão sobre a realidade e contribui para a construção de uma sociedade igualitária, democrática e inclusiva, o que corrobora com o pensamento de Ostrower e cumpre o papel da arte, analisado por Hamann.

Nesse sentido, em que os conhecimentos artísticos se apresentam como fazer humano extremamente elaborado, o ensino de arte ocupa posição de direito na vida de todos os estudantes, sendo ensinada na escola, conforme preconiza a Lei de Diretrizes e Bases 9394/96 ao torná-la obrigatória. No parágrafo 2º, do seu artigo 26, normatiza que: “O ensino da arte constituirá componente curricular obrigatório, nos diversos níveis da educação básica, de forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos”. A Lei 13.278/2016 alterou a Lei 9394/96, apresentando na sua redação que: “As artes visuais, a dança, a música e o teatro são as linguagens que constituirão o componente curricular. No entanto, entende-se que aprender arte não significa apenas cumprir uma lei, mas, ter um conhecimento mais aguçado de si e de mundo. Os conhecimentos artísticos nos permitem transitar e estabelecer conexões entre diferentes áreas do conhecimento.

Ao mesmo tempo em que se coloca a importância da presença da arte na cultura, é preciso destacar que seus processos são distintos de outros conhecimentos. De acordo com o filósofo italiano Luigi Pareyson (1989, p.32), a arte tem dinâmica própria, a ponto de, no jogo da criação, “a arte é um tal fazer que, enquanto faz, inventa o por fazer e o modo de fazer”. Podemos dizer, portanto, que a arte é conhecimento humano culturalmente construído, que relaciona ética e estética em um fazer que se distingue de outros conhecimentos, na medida em que tem suas próprias demandas.

O Componente Curricular Arte apresenta-se, na BNCC e nas Diretrizes Curriculares Nacionais, como parte da Área de Linguagens. A partir das diferentes linguagens verbais e não verbais (oral ou visual-motora, como Libras, e escrita), corporais, visuais, sonoras e digitais, pretende-se proporcionar aos estudantes que se expressem e partilhem informações, experiências, ideias e sentimentos em diferentes contextos, produzindo sentidos que os levem ao diálogo, para atuarem criticamente frente a questões contemporâneas.

Por ser uma linguagem, a arte é uma forma de expressar emoções, ideias, vivências, entre outros. Para Martins (1998, p. 43), “[...] a linguagem da arte propõe um diálogo de sensibilidades, uma conversa prazerosa entre nós e as formas de imaginação e formas de sentimento que ela nos dá”.

A escola por ser mediadora entre os conhecimentos historicamente produzidos pela humanidade e o estudante, visa à apropriação desses, tratados didaticamente como conteúdo, objetivando a formação de novas gerações. Neste sentido, o ensino de Arte na escola possibilita o estudante desenvolver-se de forma integral, considerando os aspectos cognitivos, afetivos, sociais, éticos e estéticos. Desse modo, o componente curricular Arte é organizado em quatro linguagens: artes visuais, dança, música e teatro, as quais deverão ser desenvolvidas de forma integrada.

No fazer artístico, o estudante tem possibilidades de desenvolver sua poética pessoal, esta ação investigativa o leva à reflexão, à análise crítica, a experimentações, a comparações, à imaginação, e a criar soluções (inclusive tecnológicas). Além disso, também instiga a curiosidade, a levantar hipóteses, o trabalho em equipe, o desenvolvimento do pensamento artístico, a criatividade, a percepção, dentre outros, possibilitando, assim, a resolução de problemas de ordem técnica e estética, bem como a humanização dos sentidos. De acordo com Bosi (2001),

 

[...] o trabalho de arte passa pela mente, pelo coração, pelos olhos, pela garganta, pelas mãos; e pensa e recorda e sente e observa e escuta e fala e experimenta e não recusa nenhum momento essencial do processo poético (BOSI, 2001, p. 71).

 

Os conhecimentos, processos e técnicas produzidos e acumulados ao longo do tempo nas quatro linguagens: (artes visuais, dança, música e teatro) contribuem para a contextualização dos saberes e das práticas artísticas e possibilitam compreender as relações entre tempos e contextos sociais dos sujeitos na sua interação com a arte e a cultura.

Durante o fazer artístico, seis dimensões do conhecimento deverão se articular: criação, crítica, estesia, expressão, fruição e reflexão, de forma indissociável e simultânea, não obedecendo a uma ordem hierárquica. Tais dimensões perpassam os conhecimentos das Artes visuais, da Dança, da Música, do Teatro e as aprendizagens dos alunos em cada contexto social e cultural. Não se trata de eixos temáticos ou categorias, mas de linhas maleáveis que se interpenetram, constituindo a especificidade da construção do conhecimento em Arte na escola.

A arte, independe da etapa de escolarização, pois, traz a ludicidade implícita. Na transição da Educação Infantil para os anos iniciais do Ensino Fundamental há a preocupação que não haja uma cisão, que tenha continuidade dos processos de ensino, situação em que o ensino da Arte colabora e integra o repertório de conhecimentos na nova etapa da vida escolar das crianças. Na experimentação com materiais artísticos variados das artes visuais, nas improvisações teatrais, nas pesquisas de sons da música e de movimentos da dança, dentre outros, é enfatizado o lúdico, o dialógico, o colaborativo e as atividades em grupo, assim como na educação infantil. O lúdico na arte não se reduz apenas ao brincar, nele está implícito o imaginar, o criar e principalmente o transformar, seja a matéria, os suportes expressivos ou o próprio sujeito.

As atividades lúdicas são indispensáveis para a aquisição dos conhecimentos artísticos e estéticos. De acordo com as pesquisadoras Maria Heloisa Ferraz e Maria Fusari (FERRAZ e FUSARI, 1999, p.84), “o brincar na aula de Arte, pode ser um jeito da criança experimentar novas situações, ajudando a compreender e assimilar mais facilmente o mundo cultural e estético em que está inserida”.

O lúdico se relaciona com a brincadeira e com o jogo, o jogo contém o desafio, acionando corpo e mente. Tem caráter integrador, propiciando ao aluno o desenvolvimento de habilidades que envolvem identificação, análise, síntese, comparação, permitindo-o assim, a conhecer suas próprias possibilidades.

Vygotsky (1998) diz que, ao brincar e criar uma situação imaginária, a criança assume diferentes papéis: ela pode tornar-se um adulto, outra criança, um animal, um herói; pode mudar o seu comportamento, agir e se comportar como se fosse mais velha do que realmente é, pois, ao representar o papel de “mãe”, ela irá seguir as regras de comportamento maternal. É no brinquedo que a criança consegue ir além do seu comportamento habitual, atuando em um nível superior ao que ela realmente se encontra.

 

[...] a brincadeira da criança não é uma simples recordação do que vivenciou, mas uma reelaboração criativa de impressões vivenciadas [...] é uma combinação dessas impressões e baseada nelas, a construção de uma realidade nova que responde às aspirações e anseios da criança [...] é a imaginação em atividade (SMOLKA, 2009 p.17 apud VYGOTSKY, 2004).

 

As experiências com as linguagens artísticas na Educação Infantil promovem a aprendizagem e desenvolvimento, principalmente, por meio dos sentidos. São aprendizagens que devem ter sequência nos anos iniciais do Ensino Fundamental, considerando o esforço da não ruptura entre as etapas. Nessa continuidade do processo de transição de aprendizado da etapa anterior, no primeiro ano do Ensino Fundamental, aos estudantes também devem ser oportunizados as experimentações com tintas em suportes e materiais diversos, bem como o trabalho com a formação da identidade partindo de seu autoconhecimento, por meio de representações e fruições de si, de seus familiares, dos colegas e de seu entorno, fruindo e realizando composições de autorretratos, retratos e outros aspectos relacionados à sua vida. O mesmo ocorre na dança, o estudante percebe o seu corpo no espaço e suas possibilidades de movimentos, na música, onde ele retira sons do próprio corpo, e no teatro, aproximando-se do faz de conta e aprendendo a se colocar no lugar do outro.

Na transição dos anos iniciais para os anos finais do Ensino Fundamental, considerando a amplitude da área de Arte, o principal objetivo é aprofundar o conhecimento já construído anteriormente, de forma sistematizada e contínua, para que nesse momento da vida escolar, o estudante não sinta uma cisão entre essas etapas. Ao final do processo do Ensino Fundamental, o estudante precisa ter acesso e conhecer os conceitos da Arte nas quatro linguagens: Artes Visuais, Dança, Música e Teatro, bem como as técnicas possíveis e os períodos e movimentos artísticos.

Neste documento, ou seja, Referencial Curricular do Paraná: Princípios, Direitos e Orientações, a proposta, para cada ano, é uma organização de conhecimentos de forma que o estudante tenha um percurso contínuo de aprendizagem. Nos anos iniciais do Ensino Fundamental, embora os conteúdos de Arte sejam os mesmos do 1º ao 9º ano, o que altera em cada ano, é o grau de complexidade e a diversidade em Arte: obras de arte, música, dança, teatro e seus produtores, ampliando, assim, o repertório imagético, sonoro, corporal, dentre outros.

Ao oportunizar ao estudante o contato com as manifestações artísticas diversas, de diferentes tempos e locais, possibilitamos uma experiência estética, que é um olhar subjetivo, carregado de significado diante de uma imagem, de um objeto, de uma cena, de uma música, de uma dança, de um filme ou da vida, dele mesmo e do outro. Segundo Duarte Jr. (2012):

 

[…] a experiência estética que se tem frente a uma obra de arte (ou experiência artística) constitui uma elaboração simbólica daqueles nossos contatos sensíveis primordiais com o mundo. A obra cria em mim uma experiência de “como se”: frente a ela é como se eu estivesse vivenciando a situação que ela me propõe, com todas as maravilhas, dores e prazeres que isto me desperta. A arte me faz vivenciar, ainda que no modo do “como se”, acontecimentos e experiências de vida de outras pessoas, de outras latitudes, de outras realidades, ou mesmo da minha e que me eram desconhecidas. Portanto, também a arte é capaz de nos abrir os olhos para maravilhas e espantos inusitados, a partir dos quais sempre se pode depois, evidentemente, refletir e elaborar conceitualmente. […] (Entrevista concedida por João Duarte Jr. À revista Contrapontos – Eletrônica – p.364).

 

Com isso, o respeito a estas manifestações artísticas culturais e ao patrimônio cultural torna-se possível, pois, durante o conhecimento e a valorização destas, o respeito à diversidade de saberes, identidades e culturas se evidencia, possibilitando a apropriação de conhecimentos artísticos e estéticos.

A arte apresenta relações com a cultura por meio das manifestações expressas de forma material – tais como pintura, escultura, desenhos, cinema, internet art, dentre outros e imateriais (práticas culturais individuais e coletivas como: música, teatro, dança etc.). De acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais, a perspectiva multicultural do Ensino da Arte propicia que o estudante reconheça a importância das produções culturais e valorize os diferentes indivíduos e grupos sociais.

O contato com a arte promove conhecimento, reflexão e fruição de manifestações artísticas culturais diversas, levando os estudantes a entenderem a realidade e a realizarem novas interpretações desta, por meio de suas expressões. Desse modo, a escola pode contribuir para que eles construam identidades plurais, menos fechadas em círculos restritos de referência e para a formação de sujeitos atuantes diante da sociedade. Dessa forma, as competências (no Referencial Curricular do Paraná optou-se pela nomenclatura Objetivos de Aprendizagem) específicas de Arte para o Ensino Fundamental, definidas na BNCC apontam que os estudantes têm direito a:

  1. Explorar, conhecer, fruir e analisar criticamente práticas e produções artísticas e culturais do seu entorno social, dos povos indígenas, das comunidades tradicionais brasileiras e de diversas sociedades, em distintos tempos e espaços, para reconhecer a arte como um fenômeno cultural, histórico, social e sensível a diferentes contextos e dialogar com as diversidades.
  2. Compreender as relações entre as linguagens da Arte e suas práticas integradas, inclusive aquelas possibilitadas pelo uso das novas tecnologias de informação e comunicação, pelo cinema e pelo audiovisual, nas condições particulares de produção, na prática de cada linguagem e nas suas articulações.
  3. Pesquisar e conhecer distintas matrizes estéticas e culturais – especialmente aquelas manifestas na arte e nas culturas que constituem a identidade brasileira –, sua tradição e manifestações contemporâneas, reelaborando-as nas criações em Arte.
  4. Experienciar a ludicidade, a percepção, a expressividade e a imaginação, ressignificando espaços da escola e de fora dela no âmbito da Arte.
  5. Mobilizar recursos tecnológicos como formas de registro, pesquisa e criação artística.
  6. Estabelecer relações entre arte, mídia, mercado e consumo, compreendendo, de forma crítica e problematizadora, modos de produção e de circulação da arte na sociedade.
  7. Problematizar questões políticas, sociais, econômicas, científicas, tecnológicas e culturais, por meio de exercícios, produções, intervenções e apresentações artísticas.
  8. Desenvolver a autonomia, a crítica, a autoria e o trabalho coletivo e colaborativo nas artes.
  9. Analisar e valorizar o patrimônio artístico nacional e internacional, material e imaterial, com suas histórias e diferentes visões de mundo.

Assim, o Referencial Curricular do Paraná: princípios, direitos e orientações, traz os objetivos elencados na BNCC e acréscimos ou complementações na perspectiva de aproximar o ensino da Arte no Paraná ao propósito de contribuir para a percepção do mundo e construção de uma sociedade igualitária, democrática e inclusiva.

 

 

REFERÊNCIAS

 

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BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão. Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica. Conselho Nacional da Educação. Câmara Nacional de Educação Básica. Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica. Brasília: MEC, SEM, DICEI, 2013.

______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Conselho Nacional da Educação. Câmara Nacional da Educação Básica. Diretrizes curriculares para o ensino fundamental de 9 (nove) anos. p. 102-129. In: ______ Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica. Brasília: MEC, SEM, DICEI, 2013. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/docman/julho-2013-pdf/13677-diretrizes-educacao-basica-2013-pdf/file. Acesso em: 6 mar. 2018.

______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, 2017. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/. Acesso em: 6 mar. 2018.

DUARTE, Jr João. Entrevista concedida à Revista Contrapontos - Eletrônica, Vol. 12 - n. 3 - p. 362-367 / set-dez 2012.

FUSARI, M. F. R.; FERRAZ, M. H. C. T. Arte na educação escolar. São Paulo: Cortez, 1992.

HAMANN, M. Inês. Contaminação. Curitiba, Casa João Turin, 2002. Catálogo de exposição.

LEONTIEV, A. N. El desarrollo psíquico del niño em la edad preescolar. In: SHUARE, M. La psicologia evolutiva y pedagogica em la URSS. Moscou: Editorial Progreso, 1987. p. 57.

MARTINS, Mirian Celeste Ferreira Dias. Didática do ensino de arte: a língua mundo: poetizar, fruir e conhecer arte. São Paulo: FTD, 1998.

OSTROWER, Fayga. Criatividade e processos de criação. 3. ed. e 5. ed. Petrópolis-RJ: Vozes, 1983 e 1986.

PAREYSON L. Os problemas da estética. São Paulo. Martins Fontes, 1989.

VYGOTSKY, L.S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

______, Lev Semenovitch. A imaginação e a arte na infância. Tradução de Miguel Serras Pereira. Lisboa: Relógio D`água, 2009.

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