SUMÁRIO

4.4. Ensino Religioso

O Estado do Paraná tem sido referência para todo o Brasil pelo trabalho desenvolvido em prol da disciplina de Ensino Religioso. Com o intuito de contemplar o disposto no Art. 33 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB/96, o qual determina que a disciplina deve fomentar “o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil vedadas quaisquer formas de proselitismo”, é imprescindível uma imparcialidade ideológica dos professores, não direcionando os estudantes a uma determinada corrente de pensamento, seja ela religiosa ou não.

A disciplina de Ensino Religioso está presente nos currículos escolares no Brasil, assumindo diferentes formatos de acordo com os períodos históricos e a legislação vigente. A primeira forma de inclusão dos temas religiosos na educação brasileira, que se perpetuou até a Constituição da República em 1891, pode ser identificada nas atividades de evangelização promovidas pela Companhia de Jesus, de confissão católica, conforme o documento nominado de Ratio Studiorum. Com o advento da República e do ideal positivista de separação entre Estado e Igreja, todas as instituições e assuntos de ordem pública buscaram se reestruturar de acordo com o critério de laicidade interpretada no sentido de neutralidade religiosa. Em 1934, a disciplina de Ensino Religioso passa a ser contemplada nos currículos da educação pública, salvaguardando o direito individual de liberdade de credo. Dessa forma, o artigo da Constituição da Era Vargas que tratava do Ensino Religioso trazia a seguinte redação:

 

O ensino religioso será de frequência facultativa e ministrado de acordo com os princípios da confissão religiosa do aluno manifestada pelos pais ou responsáveis e constituirá matéria dos horários nas escolas públicas primárias, secundárias, profissionais e normais” (BRASIL,1934, art. 153).

 

Dessa forma, a Constituição de 1934, assim como as que vieram na sequência, pretendiam responder à questão da laicidade do Estado com o acréscimo e manutenção do caráter facultativo da disciplina, uma vez que, legalmente garantido o direito de não participar do Ensino Religioso, a liberdade de credo do cidadão estaria igualmente garantida. A concepção religiosa desse período era, portanto, restritiva e abordava unicamente a doutrina cristã. Somente na Constituição de 1988 em seu Art. 210 - §.1º, o teor do texto ficou mais sucinto no que diz respeito a laicidade quando afirma: “O Ensino Religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental”.

Apesar do que acontecia no Brasil até a década de 1980, mundialmente os impulsos contrários à perspectiva confessional de ensino se tornavam cada vez mais fortes. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, promulgada em 1948, afirmava em seu 18º artigo o seguinte: “Toda pessoa tem o direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância isolada ou coletivamente, em público ou em particular”.

A possibilidade de um Ensino Religioso aconfessional, coerente com um Estado Laico só se concretizou legalmente na redação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 e sua respectiva correção, em 1997, pela Lei 9.475/97. De acordo com o artigo 33 da LDBEN, o Ensino Religioso recebeu a seguinte caracterização:

 

Art. 33 – O Ensino Religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de Educação Básica assegurado o respeito à diversidade religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo. § 1º – Os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a definição dos conteúdos do Ensino Religioso e estabelecerão as normas para a habilitação e admissão de professores. § 2º – Os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, constituída pelas diferentes denominações religiosas, para a definição dos conteúdos do ensino religioso.

 

Para viabilizar a proposta de Ensino Religioso no Paraná, a Associação Inter Religiosa de Curitiba (Assintec), formada por um grupo de representantes das diversas organizações religiosas que formam a sociedade civil organizada, atua desde 1973 em conjunto com Estados e Municípios na elaboração de material pedagógico e cursos de formação continuada. Nesse sentido, considerando o processo histórico vivenciado pelo Estado do Paraná, a construção dos documentos orientadores estaduais para a Educação Básica, as Diretrizes Curriculares Nacionais e a homologação da Base Nacional Comum Curricular - BNCC para o Ensino Fundamental, que define as Competências Gerais e Específicas para a Área de Ensino Religioso, é que se elabora este Referencial Curricular do Paraná: princípios, direitos e orientações. É importante destacar que o documento em questão foi desenvolvido pelos técnicos pedagógicos da equipe de Currículo da Secretaria de Estado da Educação do Paraná (SEED), em um trabalho conjunto com a equipe pedagógica da Associação Inter Religiosa de Educação e Cultura (ASSINTEC) e com a equipe pedagógica da Secretaria Municipal de Curitiba (SME), representando a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME).

É importante salientar que o objeto de estudo do Componente Curricular Ensino Religioso tem variado ao longo de sua história. Contudo, no atual contexto da rede pública estadual, O Sagrado está definido como objeto de estudo, dessa forma possibilita o estudo da manifestação da diversidade religiosa e cultural concebido como a forma da religiosidade se manifestar e poder ser estudada. Na BNCC foi adotado o conceito de Conhecimento Religioso como objeto de estudo da área de Ensino Religioso, o qual é produzido no âmbito das diferentes áreas do conhecimento científico das Ciências Humanas e Sociais, principalmente nas Ciência(s) da(s) Religião(ões), visto que essas Ciências investigam e analisam as manifestações dos fenômenos religiosos em diferentes culturas e sociedades. Entende-se como manifestações do fenômeno religioso: as cosmovisões, linguagens, saberes, crenças, temporalidade sagrada, festas religiosas, mitologias, narrativas, textos, símbolos, ritos, doutrinas, tradições/organizações, práticas e princípios éticos e morais. Os fenômenos religiosos em suas múltiplas manifestações são parte integrante do substrato cultural da humanidade (BRASIL, 2017, pg. 434).

O desenvolvimento e a organização do Referencial Curricular do Paraná foram elaborados em consonância com as Competências Gerais da BNCC. Para tanto, o Ensino Religioso deve atender os seguintes objetivos:

  1. Proporcionar a aprendizagem dos conhecimentos religiosos, culturais e estéticos, a partir das manifestações religiosas percebidas na realidade dos educandos sempre contemplando as 4 matrizes religiosas que forma a religiosidade brasileira (Indígena, Afro, Ocidental e Oriental);
  2. Propiciar conhecimentos sobre o direito à liberdade de consciência e de crença tanto individuais e coletivas, com o propósito de promover o conhecimento e a efetivação do que está prescrito na Declaração Universal dos Direitos Humanos;
  3. Desenvolver competências e habilidades que contribuam para o diálogo entre perspectivas religiosas e seculares diferentes de vida, exercitando o respeito à liberdade de concepções e o pluralismo de ideias, de acordo com a Constituição Federal;
  4. Contribuir para que os educandos construam seus sentidos pessoais de vida a partir de valores, princípios éticos e da cidadania. (BRASIL, 2017, pg. 434).

 

Nesse sentido, as Competências Específicas apontadas para o Ensino Religioso na BNCC e, por consequência, presentes no Referencial Curricular do Paraná, efetivam o prescrito na LDB/96/97 e são propositivas ao indicar a importância de:

  1. Conhecer os aspectos estruturantes das diferentes tradições/organizações religiosos e filosofias de vida, a partir de pressupostos científicos, filosóficos, estéticos e éticos.
  2. Compreender, valorizar e respeitar as manifestações religiosas e filosofias de vida, suas experiências e saberes, em diferentes tempos, espaços e territórios.
  3. Reconhecer e cuidar de si, do outro, da coletividade e da natureza, enquanto expressão de valor da vida.
  4. Conviver com a diversidade de crenças, pensamentos, convicções, modos de ser e viver.
  5. Analisar as relações entre as tradições religiosas e os campos da cultura, da política, da economia, da saúde, da ciência, da tecnologia e do meio ambiente.
  6. Debater, problematizar e posicionar-se frente aos discursos e práticas de intolerância, discriminação e violência de cunho religioso, de modo a assegurar os direitos humanos no constante exercício da cidadania e da cultura de paz. (BNCC, BRASIL. 2017, pg. 435).

 

Dessa forma, as Competências Gerais e Específicas propostas para o Ensino Religioso foram contempladas e tratadas no âmbito dos Direitos e Objetivos de aprendizagem. Por conseguinte, as Unidades Temáticas correlacionam-se entre si e recebem ênfases diferentes, de acordo com cada ano de escolarização. Os Objetos de Conhecimento são os conhecimentos básicos essenciais que os estudantes têm direito de aprender e que são desdobrados em Objetivos de Aprendizagem.

Assim, tendo em vista a trajetória do Estado do Paraná e de alguns de seus Municípios no que diz respeito à experiência com o componente Ensino Religioso, na proposta do presente documento se inserem Objetos de Conhecimento complementares, relacionados com a Unidade Temática, a fim de favorecer a transição dos Anos Iniciais para os Anos Finais do Ensino Fundamental, e, também, por uma abordagem hierarquizada de objetos de conhecimento, ampliando gradativamente o nível de aprendizagem. Procurou-se superar a fragmentação dos conhecimentos e a ruptura dos mesmos na transição do Ensino Fundamental - Anos Iniciais e Finais, sendo proposto para cada ano, um conjunto progressivo de conhecimentos historicamente construídos, de forma que o estudante tenha um percurso contínuo de aprendizagem. Nessa perspectiva, os objetos de conhecimento foram ampliados em praticamente todos os anos, permitindo que o processo de aprendizagem e desenvolvimento da educação no Ensino Fundamental possam ser contempladas integralmente.

As Unidades Temáticas que compõem a BNCC e, portanto, constam no Referencial Curricular do Paraná são: Identidades e alteridades; Manifestações religiosas; Crenças Religiosas e Filosofias de Vida. A partir dessas Unidades Temáticas, foram estabelecidos na BNCC, os objetos de conhecimento para cada ano, que são: práticas espirituais ou ritualísticas, espaços e territórios sagrados, mitos, crenças, narrativas, oralidade, tradições orais e textos escritos, doutrinas, ideias de imortalidade (ancestralidade, reencarnação, ressurreição, transmigração, entre outras), códigos éticos e filosofias de vida. Sendo assim, os critérios de organização das habilidades na BNCC (com a explicitação dos objetos de conhecimento aos quais se relacionam e do agrupamento desses objetos em Unidades Temáticas) expressam um arranjo possível, dentre muitos outros, para a realidade de cada Estado e Município da Federação.

Ao considerar as especificidades da disciplina, ressalta-se que os encaminhamentos metodológicos devem primar pela garantia dos direitos de aprendizagem e estar em consonância com a legislação vigente. Ademais, a avaliação deve ser concebida sob uma perspectiva formativa com a finalidade de acompanhamento do processo de ensino e aprendizagem. Ressalta-se que, para o desenvolvimento do encaminhamento pedagógico em sala de aula, os professores contemplem as quatro matrizes que formam a religiosidade brasileira: Matriz Indígena, Matriz Africana, Matriz Ocidental e Matriz Oriental.  O estudo destas matrizes tem por objetivo fortalecer o exercício da cidadania, o fomento ao conhecimento, além de ampliar os horizontes dos estudantes em relação à diversidade religiosa. O diálogo inter-religioso é uma possibilidade de superação do grande desafio da humanidade: vivermos juntos em paz com respeito e alteridade.

 

 

REFERÊNCIAS

 

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, 1934.

______. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, 1988.

______. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei nº 9394, de 20 de dezembro de 1996/1997.

______. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, SEB, 2017. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/abase/. Acesso em: 10 maio. 2018.

SANTOS, Elói Correa. Diversidade Religiosa Brasileira e Matrizes Fundacionais: Matriz Indígena, Afro, Ocidental e Oriental. In: Almeida José Luciano Ferreira de. Escritos sobre a educação. Curitiba: SEED-PR, 2017.

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