SUMÁRIO

4.2. Ciências

Ao longo da história do ensino de Ciências no Brasil identificam-se momentos que caracterizam as consequências deste ensino no atual cenário da educação. Considerar estes aspectos históricos remete-nos a obter elementos essenciais para identificar a trajetória de como chegamos aos conteúdos e objetivos de aprendizagem; ao entendimento da influência do método científico no método de ensino e a relação da história e filosofia da ciência com o ensino de Ciências; ao estudante como sujeito ativo, participativo e com seus conhecimentos espontâneos; ao letramento científico e a leitura do mundo contemporâneo; ao ensino por investigação; ao contexto da ciência, tecnologia e sociedade e as consequências ambientais; entre outras características do processo ensino-aprendizagem em Ciências.

Por meio dos registros presentes nos documentos orientadores nacionais, como também vários estudos e pesquisas, é possível perceber este percurso e identificar os diversos momentos e contextos que caracterizam este ensino.

A introdução do ensino de Ciências no Brasil com foco nos anos iniciais e finais do Ensino Fundamental é recente, visto que, somente com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação nº. 5.692, promulgada em 1971, Ciências passou a ter caráter obrigatório nas oito séries do primeiro grau (hoje, 1º ao 9º ano) e de acordo com Krasilchik (2004) na década de 70, o projeto nacional da época era o de modernizar e desenvolver o país e nesse contexto, o ensino de Ciências foi considerado importante componente para preparação do trabalhador qualificado conforme foi estipulado pela referida Lei.

Para Krasilchik (1987), nesta década aumentou o interesse pela educação ambiental e agregou-se mais um objetivo ao ensino de Ciências, que era o de também proporcionar aos estudantes discussões das implicações sociais do desenvolvimento científico e promover debates para o reconhecimento da não neutralidade da ciência. Ainda, de acordo com a autora, no final desta década, ocorreram as primeiras manifestações sistemáticas a favor de levar em conta o cotidiano do estudante na aprendizagem escolar.

Atualmente, a constante presença da ciência e da tecnologia no cotidiano das pessoas, vem interferindo no modo como assuntos referentes a estes temas são abordados em diferentes espaços da sociedade. Além disso, com os avanços da ciência, a influência da tecnologia, e as implicações destas na sociedade, é necessário que a escola oportunize uma formação que permita o acesso à cultura científico-tecnológica e possibilite ao estudante assumir responsabilidades, refletir e discutir criticamente acerca da produção, construção social e utilização da tecnologia no dia a dia conforme seu contexto social.

Na área de Ciências da Natureza, o processo de ensino-aprendizagem deve conduzir o estudante à compreensão de como a ciência e a tecnologia são produzidas, enfatizando-as como uma forma de obter conhecimento sobre o mundo em que se oferecem oportunidades para interpretação dos fenômenos naturais, para estabelecer relações dos seres humanos com o ambiente e com a tecnologia e assim, compreender os aspectos sobre a evolução e os cuidados da vida humana, da biodiversidade e do planeta. A intenção é ampliar a curiosidade dos estudantes, incentivá-los a levantar hipóteses e se apropriar de conhecimentos sobre os fenômenos físicos e químicos, sobre os seres vivos e as relações que se estabelecem envolvendo a natureza e a tecnologia (CORSINO, 2007). Nesse sentido, questiona-se, como organizar e fundamentar ações pedagógicas a respeito da área de Ciências da Natureza no Ensino Fundamental que contribuam para a formação integral do estudante.

O ensino de Ciências, precisa assegurar aos estudantes do Ensino Fundamental o acesso ao conhecimento produzido e sistematizado pela humanidade, como também, o acesso a procedimentos e estratégias da investigação científica, na perspectiva do ensino por investigação. Neste contexto, o próprio documento das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental de nove anos (BRASIL, 2010), elucida que, a organização do trabalho pedagógico deve levar em conta a mobilidade e a flexibilização de tempos e espaços escolares, a diversidade de materiais, o planejamento, as atividades que mobilizem o raciocínio, as atitudes investigativas, entre outras funções cognitivas.

Portanto, é fundamental possibilitar aos estudantes a vivência de situações de aprendizagem, para que possam: entender e analisar o contexto vivenciado, propor problemas, levantar hipóteses, coletar dados, sistematizar o conhecimento por meio de registros, elaborar conclusões e argumentos com base em evidências, desenvolver ações de intervenção na melhoria da qualidade de vida individual, coletiva e socioambiental, aplicando os conhecimentos adquiridos e apropriados por meio da ação investigativa.

Ressalta-se que o ensino por investigação, não deve ser interpretado como sendo uma única forma de abordagem para o ensino de Ciências, é mais uma possibilidade de se apropriar do conhecimento e da interpretação sobre o mundo.

Sasseron e Duschl (2016), elucidam a importância de que o ensino de Ciências explore os conceitos, as leis, os modelos, as teorias científicas e os elementos epistemológicos das ciências, além de reforçar a proposição de que este ensino deve também estar orientado ao trabalho de práticas epistêmicas, que podem ser evidenciadas em momentos de discussões, permitindo a proposição, a comunicação, a avaliação e a legitimação de ideias. Ainda, de acordo com os autores, estabelecer momentos de interações discursivas pertinentes ao componente curricular de Ciências possibilita aos estudantes a vivência de investigações em que sejam trabalhadas práticas epistêmicas, para a construção de entendimento sobre conceitos científicos e dessa forma, possam obter formação para lidar com situações sociais, ambientais e culturais diversas, se apropriando de conhecimentos produzidos e sistematizados pela humanidade e sabendo como utilizá-los em situações cotidianas.

Ao docente do Ensino Fundamental cabe, no seu fazer pedagógico, criar momentos para estabelecer diálogos entre saberes e relações entre a história da ciência e o componente curricular de Ciências, integrando os conhecimentos científicos escolares com o desenvolvimento científico-tecnológico ao longo da história. Além destas relações, também é necessário considerar que o estudante já possui conhecimentos acumulados de sua vivência, e que a todo momento está interagindo com o meio e atuando em diferentes situações.

Nesse sentido, o ensino de Ciências por meio de sua organização e concretização, possibilita ao estudante o acesso ao conhecimento científico didatizado ao investigar sobre os fenômenos da Natureza e compromete-se com o desenvolvimento do letramento científico (BRASIL, 2017), que envolve a capacidade de compreender e interpretar o mundo (natural, social e tecnológico), e assim, permite ao estudante dispor de conhecimentos científicos e tecnológicos, necessários para se desenvolver na vida diária, para conhecer as complexas relações entre ciência, tecnologia e sociedade e assim ser capaz de fazer escolhas conscientes que envolvam tanto o nível individual, quanto o coletivo e o socioambiental.

Santos e Mortimer (2000) elucidam sobre os princípios diferenciadores para desenvolver propostas que possibilitem compreender as relações que se estabelecem entre ciência, tecnologia e sociedade, como por exemplo: a preocupação com a formação de atitudes e valores em contraposição ao ensino memorístico; a abordagem temática em contraposição aos extensos programas de ciências fora do contexto dos estudantes; o ensino que conduza o estudante a ser ativo e participativo em contraposição ao ensino passivo sem espaço para o estudante expor suas ideias e aspirações. E,

 

além disso, a ciência e a tecnologia têm interferido no ambiente e suas aplicações têm sido objeto de muitos debates éticos, o que torna inconcebível a ideia de uma ciência pela ciência, sem consideração de seus efeitos e aplicações (SANTOS e MORTIMER, 2000, p.111).

 

Nessa perspectiva, oportuniza-se ao estudante se envolver com questões socioambientais e tecnológicas, a ponto de conhecer e atuar frente a estes assuntos em âmbito local e global, ter interesse pela ciência e percebê-la como construção humana, reconhecendo sua importância para ele e para a sociedade e compreender sua relação histórica e social.

Neste material, organizam-se Objetos de Conhecimento e Objetivos de Aprendizagem, conforme orientações do texto introdutório deste documento, de cada ano do Ensino Fundamental, em três unidades temáticas. Entendem-se por unidades temáticas aquelas que definem a organização dos Objetos de Conhecimento que se relacionam aos Objetivos de Aprendizagem ao longo dos nove anos do Ensino Fundamental, de modo a articular o conhecimento escolar e permitir amplas formas de ver e compreender o meio, de maneira crítica, a partir do entendimento das relações existentes na realidade.

De acordo com a Base Nacional Comum Curricular -BNCC (BRASIL, 2017), a unidade temática Matéria e energia contempla o estudo de materiais e suas transformações, fontes e tipos de energia utilizados na vida em geral, na perspectiva de construir conhecimento sobre a natureza da matéria e os diferentes usos da energia. A unidade temática Vida e evolução, propõe o estudo de questões relacionadas aos seres vivos, suas características e necessidades, e a vida como fenômeno natural e social, os elementos essenciais à sua manutenção e à compreensão dos processos evolutivos que geram a diversidade de formas de vida no planeta. Na unidade temática Terra e Universo, busca-se a compreensão de características da Terra, do Sol, da Lua e de outros corpos celestes, suas dimensões, composição, localizações, movimentos e forças que atuam entre eles.

Propõe-se para cada ano, um conjunto de conhecimentos essenciais apresentados neste documento, a fim de buscar a superação de qualquer fragmentação ou ruptura dos Objetivos de Aprendizagem no processo de transição do Ensino Fundamental – anos iniciais e finais e, desse modo, ao término da etapa de ensino, o estudante terá um percurso contínuo de aprendizagem.

Por meio do planejamento e da ação pedagógica docente é possível superar a fragmentação dos conteúdos escolares com a integração das unidades temáticas, estabelecendo uma articulação entre os Objetos de Conhecimento e os Objetivos de Aprendizagem. Entende-se que, em cada unidade temática, os objetivos de aprendizagem podem ser desdobrados e abordados pelos professores em função dos contextos regionais, culturais, econômicos e socioambientais.

Alguns Objetos de Conhecimento e Objetivos de Aprendizagem foram complementados para subsidiar a compreensibilidade dos mesmos e outros, foram construídos visando ampliar a ação pedagógica docente em sala de aula.

A articulação entre estes elementos deve garantir aos estudantes o desenvolvimento dos Direitos de Aprendizagem, conforme orientações do texto introdutório deste documento, específicos da área de Ciências da Natureza para o Ensino Fundamental (BRASIL, 2017), os quais, estão enumerados a seguir:

  1. Compreender as Ciências da Natureza como empreendimento humano, e o conhecimento científico como provisório, cultural e histórico;
  2. Compreender conceitos fundamentais e estruturas explicativas das Ciências da Natureza, bem como dominar processos, práticas e procedimentos da investigação científica, de modo a sentir segurança no debate de questões científicas, tecnológicas, socioambientais e do mundo do trabalho, continuar aprendendo e colaborar para a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva;
  3. Analisar, compreender e explicar características, fenômenos e processos relativos ao mundo natural, social e tecnológico (incluindo o digital), como também as relações que se estabelecem entre eles, exercitando a curiosidade para fazer perguntas, buscar respostas e criar soluções (inclusive tecnológicas) com base nos conhecimentos das Ciências da Natureza;
  4. Avaliar aplicações e implicações políticas, socioambientais e culturais da ciência e de suas tecnologias para propor alternativas aos desafios do mundo contemporâneo, incluindo aqueles relativos ao mundo do trabalho;
  5. Construir argumentos com base em dados, evidências e informações confiáveis e negociar e defender ideias e pontos de vista que promovam a consciência socioambiental e o respeito a si próprio e ao outro, acolhendo e valorizando a diversidade de indivíduos e de grupos sociais, sem preconceitos de qualquer natureza;
  6. Utilizar diferentes linguagens e tecnologias digitais de informação e comunicação para se comunicar, acessar e disseminar informações, produzir conhecimentos e resolver problemas das Ciências da Natureza de forma crítica, significativa, reflexiva e ética;
  7. Conhecer, apreciar e cuidar de si, do seu corpo e bem-estar, compreendendo-se na diversidade humana, fazendo-se respeitar e respeitando o outro, recorrendo aos conhecimentos das Ciências da Natureza e às suas tecnologias;
  8. Agir pessoal e coletivamente com respeito, autonomia, responsabilidade, flexibilidade, resiliência e determinação, recorrendo aos conhecimentos das Ciências da Natureza para tomar decisões frente a questões científico-tecnológicas e socioambientais e a respeito da saúde individual e coletiva, com base em princípios éticos, democráticos, sustentáveis e solidários.

A fim de contribuir para a organização e reelaboração das Propostas Pedagógicas Curriculares da Educação Básica das redes de ensino do estado do Paraná apresentam-se os Objetos de Conhecimento e os Objetivos de Aprendizagem que se articulam com as unidades temáticas de Ciências, por meio do organizador curricular, considerando o aprendizado necessário para cada ano do Ensino Fundamental, conforme segue.

 

 

REFERÊNCIAS

 

BRASIL. Ministério da Educação. Educação integral: texto referência para o debate nacional. Série Mais Educação. Brasília: Secretaria de Educação Básica, 2009. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/cadfinal_educ_integral.pdf. Acesso em: 25 ago. 2018.

______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, 2017.

______. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Parecer CNE/CEB nº 11/2010, de 7 de julho de 2010. Sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental de 9 anos. Brasília, DF:CNE/CEB, 2010. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=6324-pceb011-10&Itemid=30192. Acesso em: 07 de nov. 2018.

CARVALHO, A. M. P. Ensino de Ciências e a proposição de sequências de ensino investigativas. In: ______ (Org.). Ensino de Ciências por Investigação: condições para implementação em sala de aula. (p. 1-20). São Paulo, SP: Cengage Learning, 2013.

CORSINO, P. As crianças de seis anos e as áreas do conhecimento. In: BRASIL. Ministério da Educação. Ensino fundamental de nove anos: orientações para a inclusão da criança de seis anos de idade. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2007. p. 57-68.

KRASILCHIK, M. O professor e o currículo das ciências. São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1987.

______. Prática de ensino de biologia. 4. ed. São Paulo: EDUSP, 2004.

SANTOS, W. P.; MORTIMER, E. F. Uma Análise de Pressupostos Teóricos da Abordagem C-T-S (Ciência - Tecnologia - Sociedade) no Contexto da Educação Brasileira. Ensaio - Pesquisa em Educação em Ciências. v. 2, n. 2, dez. 2000. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/epec/v2n2/1983-2117-epec-2-02-00110.pdf. Acesso em: 12 dez. 2019.

SANTOS, W. L. P. Educação científica na perspectiva de letramento como prática social: funções, princípios e desafios. Revista Brasileira de Educação, v. 12, n. 36, set./dez. 2007.

SASSERON, L. H.; DUSCHL, A. R. Ensino de ciências e as práticas epistêmicas: o papel do professor e o engajamento dos estudantes. Investigações em Ensino de Ciências, v. 21(2), ago. 2016, p. 52-67.

Recomendar esta página via e-mail: